O aborto, apesar de leis contrárias ou favoráveis à sua prática, sempre vai ser um tema polêmico, não apenas por causa da natureza do processo, mas pelas consequências morais, psicológicas, sociais e religiosas resultantes da interrupção da vida. Ao contrário do que muita gente pensa, a decisão de interromper a gravidez não é algo moderno. Desde os tempos antigos, as mulheres se veem em situações em que não desejam – ou não podem – levar uma gestação à frente. A palavra aborto tem origem no latim abortacus, derivado de aboriri (perecer), e oriri (nascer).
A prática do aborto, envolvendo métodos físicos ou químicos, já era documentada em antigas sociedades orientais. Entre 2737 e 2696 a.C., o imperador chinês Shen Nung cita, em texto médico, a receita de um abortífero oral, provavelmente contendo mercúrio. Porém, o risco da ingestão de substâncias nocivas para a saúde das mães, fez como que algumas sociedades e culturas preferissem realizar a prática do infanticídio, ou seja, a morte da criança após o nascimento. Quando os navegadores portugueses chegaram ao Japão, no século XVI, ficaram impressionados com a facilidade e frequência com que as japonesas matavam os seus filhos recém-nascidos. Em alguns lugares, adotavam-se métodos de aborto que causavam sério risco de morte para a mãe. Dentre estes métodos estavam pancadas no abdômen e cavalgadas durante horas a fio a fim de matar o feto.
A opção ou não pelo aborto passava, também, pela forma como a mulher era tratada socialmente. Tanto na Grécia quanto na Roma antiga, o feto era considerado parte do corpo da mulher, e então parte da propriedade do homem. Desta forma, o aborto só podia ocorrer com autorização do marido. O aborto era defendido por Aristóteles como método eficaz para limitar os nascimentos e manter estáveis as populações das cidades gregas. Platão defendia que os abortos deveriam ser obrigatórios para mulheres com mais de 40 anos, como forma de manter a pureza da raça de guerreiros gregos. Este, talvez, tenha sido o germe da eugenia, ou seja, a ideia de ter uma raça pura, muito defendida por Hitler nas décadas de 1930 e 1940, e temida atualmente por causa dos avanços da biogenética.
A questão ética do aborto, ligada à moral religiosa, surgiu nos primórdios do cristianismo. Por influência de Tomás de Aquino, achava-se que o feto recebia a alma após 60 dias de sua geração. Assim, neste intervalo o aborto não era visto como pecado. Esta ideia permaneceu até 1588. Muitas leis e doutrinas religiosas medievais consideravam os golpes da criança em gestação no ventre da mãe como um parâmetro para diferenciar quando a prática do aborto deixava de ser aceitável.
A posição da igreja contra o aborto não se tornou oficial até 1869, quando o papa Pio IV declarou todos os abortos como assassinatos. A frase “a vida humana começa no momento da concepção” não foi criada pelo Vaticano, mas surgiu de uma campanha iniciada por médicos no século XIX. No decorrer do século XIX, no auge da revolução científica, vários segmentos sociais, como médicos, o clero e reformadores sociais, conseguiram aprovar leis que proibiam totalmente a prática do aborto. Nos Estados Unidos, no final do século XIX, a proibição do aborto esteve ligado à eugenia. O presidente Theodore Roosevelt teria dito: “temos que manter a pureza da raça, precisamos de mais nascimento de brancos nativos”.
Durante o século XX o aborto induzido tornou-se prática legal em muitos países do Ocidente. Porém, com a oposição sistemática de grupos pró-vida, seja por via de ações legais, seja por protestos e manifestações públicas. O primeiro Estado do mundo a liberalizar o aborto foi a União Soviética, em 1920, logo após a tomada do poder pelos bolcheviques. O segundo Estado a liberalizar o aborto foi a Alemanha, na época de Hitler.
No Brasil, até a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), permitindo o aborto em caso de fetos anencéfalos, um longo caminho foi trilhado, caminho este que remonta ao período imperial brasileiro, na época de D. Pedro I. Pela Constituição de 1824, a interrupção voluntária da gravidez era considerada um crime grave contra a vida humana. O aborto auto-induzido, porém, estava livre de pena. No período republicano, pelo Código Penal de 1890, a prática da interrupção da gravidez era punida quando feita por terceiros e a pena agravada quando o procedimento resultava na morte da paciente. O Código Penal de 1940 tornou mais clara a legislação sobre o tema. Ele instituiu que o aborto é um dos “crimes contra a vida” e que apenas pode ser feito em casos de estupro e risco de vida da mulher.
Obs.: Este artigo foi publicado no Jornal A Tribuna.
Sou pró-vida, entretanto, devemos criminalizar o indivíduo. Não legalizar o aborto é criminalizar o indivíduo.
Em primeiro lugar temos que falar sobre prevenção..se houve gravidez duas pessoas estão envolvidas mas somente uma vai ser culpada pela ação ..A mulher é obrigada da prevenção pq? Quando a mulher aborta o homem já lavou as mãos ,já abortou esse feto antes .O homem tem que começar a ser responsabilizado TB pela prevenção tanto quanto a mulher .
O aborto é um atantado a vida em qualquer fase da gestação.É inadimissível em pleno século 21 esse tipo de assassinato igualmente como não é mais permitido o homem matar sua mulher só porque ela é sua mulher.Interessante notar que os que são pro-aborto já nasceram!Assim fica fácil pedir permissão para matar
Gostei muito do artigo. Gostaria de cita-lo em minha monografia. Poderia me passar a forma para cita-lo corretamente?
Grata.
o aborto é uma questao que todas as mulheres do mundo devem pensar antes de pratica-los pra depois nao se arrepender
Verdade, Micheli.
Achei interessante o artigo e, apesar de ler algumas críticas de pessoas obviamente contra a prática, achei que ele está no limiar de um julgamento moral contrário a prática. Mesmo assim achei interessante mesmo.
Um erro no seu artigo, o papa que publicou o documento Apostolicae sedis em 1869 e que proibia a prática abortífera foi o papa Pio IX, e não IV como foi publicado.
Esta discussão do abortar ou não tem relação com outro dilema para o qual já correu muito sangue e tinta: há livre arbítrio?
O código penal brasileiro ANTES da liberação legal do aborto para anencéfalos, permitia somente o aborto para risco de vida materno OU filhos provenientes de estupro. Isto dava margem a fraudes do tipo “fui estuprada” com grandes sequelas psicológicas desnecessárias e a incoerência de se levar adiante uma gravidez de mal-formado a revelia de sua mãe, enquanto crianças “perfeitas” poderiam ser aniquiladas com aval da lei. o aborto por ma-formações muitas vezes é deflagrado naturalmente! Deus deveria ser enquadrado também?
Esta questão é polêmica mesmo quando se usam critérios frios e APENAS biológicos. Um critério coerente seria não permitir aborto se já há “cérebro funcionante”. Realmente antes disso o embrião/feto é apenas um bolo de células incapaz de sentir dor como um tumor. Então o critério pre-1588 era bem inteligente. Mas mesmo com métodos atuais como USG e CTG, ainda fica difícil definir isto. E assassinatos de golfinhos, elefantes e chimpanzés, mesmo pelo bem da Ciência, deveriam ser tratados como homicídio. Se o conceito fosse radicalmente “não matar” ninguém poderia usar antibióticos ou comer carne ou alface. Se o critério fosse “não matar células humanas” , ninguém poderia se masturbar ou colher sangue.
O aborto, apesar de leis contrárias ou favoráveis à sua prática, sempre vai ser um tema polêmico, não apenas por causa da natureza do processo, mas pelas consequências morais, psicológicas, sociais e religiosas resultantes da interrupção da vida. Assim, considerando a importância do tema, vamos listar algumas curiosidades históricas acerca da prática do aborto.