Após realizar a prova da UDESC, no dia 25 de novembro de 2018, um aluno entrou em contato comigo e comentou sobre o conteúdo da mesma. Segundo ele, o conteúdo da prova foi “desnecessário”, considerando um ideologismo exagerado na elaboração das questões de História. Ao analisar a prova, de fato, percebemos um alto grau de marxismo e até esquizofrenia em sua elaboração.

Marxismo e esquizofrenia na prova da UDESC

Neste sentido, vou apresentar duas questões que confirmam a tese acima. Uma que aborda a questão do fascismo e do neofascismo; e outra sobre o movimento comunista e seus desdobramentos.

Para além das questões acima mencionadas, a prova foi elaborada considerando a importância de movimentos revolucionários na História – comunismo, anarquismo, o  movimento feminista, entre outros. Além disso, há uma ênfase no movimento de luta de classes e na visão que interpreta o projeta a realidade sob o visão opressor-oprimido.

Não podemos esquecer que a abordagem marxista é apenas uma dentre as várias que compõe o processo historiográfico. E, apesar de uma questão tratando de preservação do patrimônio histórico, há claramente um direcionamento metodológico. Obviamente, isso não é prerrogativa da prova da UDESC. Observamos isso em praticamente todos os vestibulares brasileiros.

Neofascismo e comunismo

A questão sobre neofascismo (número 36) aponta que o fascismo não é um fenômeno do passado, mas pode se manifestar no presente, como uma versão moderna do fascismo italiano. Essa questão parece ter sido encomendada por Roger Waters, ex-baixista da banda britânica Pink Floyd. Em um de seus shows no Brasil, Waters apresentou uma lista de líderes que, em sua percepção, apresentam características neofascistas. Dentre eles, o presidente americano Donald Trump e o presidente, aqui eleito, Jair Bolsonaro.

“Ao contrário do historiador contemporâneo ao fascismo (…) não podemos tratar o fascismo como um movimento morto, pertencente a história e sem qualquer papel político contemporâneo. Encontramo-nos, desta forma, numa situação insólita: sabemos qual a prática e as consequências do fascismo e sabemos, ainda, que não é um fenômeno puramente histórico, aprisionado no passado. Assim, torna-se impossível escrever sobre o fascismo histórico sem ter em mente o neofascismo e suas possibilidades. (Daniel Araao Reis Filho. O século XX)

Assinale a alternativa que se refere corretamente ao trecho acima.

a) O fascismo é um fenômeno puramente histórico e datado, restrito às experiências totalitárias da primeira metade do século XX.
b) O fascismo, além de fenômeno histórico, faz-se presente na sociedade contemporânea pelas práticas que podem ser identificadas como neofascistas.
c) O fascismo e o neofacismo (sic) são fenômenos históricos que, por tratar de passado e presente, não podem ser escritos.
d) No que diz respeito à escrita da história do fascismo, a situação dos historiadores contemporâneos ao fascismo é idêntica à situação dos historiadores atuais.
e) O fascismo, como fenômeno histórico, não possui relação alguma com a contemporaneidade.

A resposta é a Letra B: o fascismo, além de fenômeno histórico, faz-se presente na sociedade contemporânea, pelas práticas que podem ser identificadas como neofascistas. A questão não apresenta uma listas destas práticas ditas neofascistas, o que seria conveniente como aporte teórico. O que é o neofascismo? Quais as suas características? Além disso, parece uma referência direta – ainda que abstrata – ao que se denomina “ascensão da direita brasileira”.

A outra questão trata do movimento comunista (número 31), considerando, indiretamente, os 170 anos do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels. Esta obra, aliás, foi utilizada no texto-base.

“Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos de classe, surge uma associação onde o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos.” (Marx, Karl; Engels, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista.)

O Manifesto Comunista, escrito por Karl Marx e Friedrich Engels, expressa uma série de ideias que anunciam os princípios do comunismo. A respeito do comunismo, analise as proposições e assinale (V) para verdadeira e (F) para falsa.

I. Foi o modelo político implementado na Alemanha Nazista e na Rússia Stalinista.
II. O modelo comunista prevê um governo ditatorial, centralizado nos proletários que instauram um governo de substituição ao que vinha sendo exercido pela sociedade burguesa.
III. No Brasil, o governo de João Goulart foi, irrefutavelmente, comunista.

Assinale a alternativa correta, de cima para baixo.

a) F-F-V
b) V-V-V
c) V-F-F
d) F-V-F
e) F-F-F

A resposta é letra E: F-F-F. Está correto afirmar que o governo de João Goulart não pode ser caracterizado como comunista. Todavia, todos os países que adotaram o comunismo como regime político-econômico foram ou são caracterizados como ditadura, com forte rigor no controle midiático e  poder centralizado em um único partido e/ou grupo político. Além disso, o modelo pensado por Marx e Engels pressupõe uma “ditadura do proletariado”, ainda que os autores a apontassem como fase de transição.

Dessa forma, a questão confunde o candidato e deveria ser ANULADA.

Os vestibulares odeiam Trump

Há algumas semanas atrás, apontei o que parece ser uma constante nos vestibulares brasileiros: tudo o que se refere ao presidente americano Donald Trump é tratado de forma crítica, às vezes pejorativa, além de nunca apontar uma outra interpretação além daquela que parece ser a percepção pessoal do elaborador da questão. Observe no link abaixo

A questão sobre Trump (número 43) aparece na prova de Geografia e não cita diretamente o presidente. Porém, trata a política migratória americana e a relação com os imigrantes ilegais mexicanos.

A intolerância tem marcado as relações internacionais nos últimos tempos. Um episódio chocou o mundo em 2018, quando os Estados Unidos tomaram medidas drásticas em relação a imigrantes ilegais na fronteira com o México.

Esta política foi batizada pelo governo norte americano de:

a) American way of life
b) Tolerância Zero
c) Política do Filho Único
d) Easy come, easy go
e) What goes around comes around

A resposta é letra B: Tolerância Zero. A questão deve fazer referência a separação entre mães e filhos, episódio ocorrido recentemente naquele país. No entanto, apesar do fato ser realmente dramático e aparentemente cruel, não vamos obter do elaborador da questão a informação de que Trump estava aplicando uma lei sancionada durante a gestão do então presidente Barack Obama.

A política da Tolerância Zero, baseada em expressão usada pelo vice-presidente Mike Pence, trata do rigor no tratamento com os imigrantes ilegais, anunciado pelo governo dos Estados Unidos. Dentre as medidas, podemos citar a ampliação do polêmico muro entre Estados Unidos e México.

Aliás, acho que lembro do conteúdo da letra D em uma música da banda americana Black Eyed Peas: easy come, easy go, now we on top (top top top top top). Parece piada, mas não é!

Concluindo

Acho que este artigo ficou bem extenso. O tempo anda curto e não quero cansá-los demais! De qualquer forma, a abordagem unilateral, a superficialidade conceitual e o grau de abstração e subjetividade nas questões de História são pontos perceptíveis e que precisam ser discutidos.

Futuramente, pretendo tratar também de algo que vem me incomodando há algum tempo: as questões de História têm pouca história e bastante sociologia. Algo que denomino “sociologia do passado”. Eu sei que História é uma ciência multidisciplinar, mas algumas vezes percebo um excesso de conceitos sociológicos travestidos com a roupagem da temporalidade historiográfica.

Ah, e a prova da Geografia, às vezes, apresenta mais fatos históricos do que a prova da História. Uma bagunça!